A sabedoria
popular de Mário
Mário filósofo já foi tema de algumas crônicas minhas. Na
época o achava meio estranho; hoje sei que era uma pessoa especial, profundo
conhecedor da alma humana, um autodidata que distribuía pequenas filosofias
como presentes matinais.
Lá pras brenhas do Araguaia ele fizera o seu mundo e
sabia tudo da fauna e da flora, até os nomes das árvores da floresta ele sabia
de cor e salteado. No dizer do poeta, não era alegre, nem triste; nem velho,
nem novo; nem bonito, nem feio, apenas cultivava uma barba rala, um tanto
grisalha que denunciava seus quase cinquenta anos, mas, à sua maneira era gente
boa.
Como era de se esperar, sua vida pregressa era cercada de
mistério, sobre a qual repousava várias histórias, algumas tão estapafúrdias
que beiravam ao inacreditável. A verdade é que Mário trafegava entre o
folclórico e o místico e que não era outro senão Antônio Mário dos Prazeres,
aliás, vulgo Mário Ermitão, Mário Só, que segundo as más línguas das velhas
corocas, que não tinham absolutamente nada para fazer, nas noites de lua nova
ele virava lobisomem e ficava a perambular nas estradas empoeiradas da região,
a fazer visagem e assustar moradores com seus uivados e lamentos. Provar muito
bem provado ninguém ainda conseguira, mas, sabem como são essas histórias
quando caem na boca do povo...
Mário nunca se importou com o falatório do povo, ao
contrário, inconscientemente ou conscientemente dava corda, ao cultivar hábitos
estranhos como circular pelas estradas com um casal de cães que ele chamava
Mira sol e Mira Lua. Os perdigueiros eram tratados como filhos e por vezes
ouviam o filósofo contar as peripécias do dia, nos mínimos detalhes, como se
não as tivessem presenciado. Assexuado ele não era, mas o seu estilo de vida
pouco o ajudava na tarefa de arrumar uma namorada, um companheira que fosse para
juntar os trapos e esquentar os ossos nas noites de frio. Por conta disso, ele
continuou dividindo a vida apenas com Mira sol e Mira lua, que o conheciam como
a palma da mão.
Quando o verão chegava era comum vê-lo atravessando o
rio, rumo às ilhas. Na proa, os perdigueiros faziam festa. Nessa época do ano,
Mário pescava 15 dias ininterruptos e quando voltava ao continente trazia a
canoa abarrotada de curimatás e píaus, que ele salgava e colocava em girais de
mororó, no oitão do barraco. Seu cardápio seria complementado de arroz,
mandioca e farinha.
Apesar da inteligência acima da média, de um português
impecável para quem residia no interior, ele nunca esboçou nenhuma vontade de
tentar a vida na cidade grande, daí a suspeita de que houvesse algo no seu
passado que o mandara para os grotões. Talvez um infortúnio familiar, uma
ferida de amor mal curada, ou até mesmo um crime de morte. A verdade é que
ninguém sabia muito da sua vida. Para todos ele era apenas o Mário Só, que
tinha alguns alqueires de terra, mas gostava mesmo era de perambular pelas
estradas, a destilar gotas de sua sabedoria popular para o deleite dos caboclos
e ribeirinhos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário