Quase todos os dias, enquanto a confraria se reúne no boteco do Baixinho, ou em outros locais no centro da cidade, elas aparecem. Cada uma, à sua maneira, monopoliza as atenções dos frequentadores da noite. Uma é jovem, no frescor dos seus vinte e poucos anos, enquanto a outra, já entrada em anos exibe uma vitalidade poucas vezes vista. Em comum, a dignidade e o amor pelo trabalho.
Enquanto muitos se reúnem para o happy hour do início da noite, as duas ralam de verdade, serpenteando entre as mesas, oferecendo seus produtos, sempre com um sorriso no rosto.
Enquanto a idosa espalha ovos de codorna, que acabam servindo de tira-gosto, ou são levados para casa na esperança de apimentar uma noite com a patroa, a cesta de ovos de chocolate da mais nova vai se esvaziando, muito mais pela simpatia de quem os vende do que pela capacidade alimentícia dos produtos, mais apropriados para ocasiões especiais, como Páscoa, Natal etc.
A trajetória silenciosa das duas, não são raros os comentários baratos, piadas de mau gosto e muita aporrinhação de alguns bebuns passados da medida. Placidamente elas fingem que não ouvem, nem as anedotas sem graça e nem os desabafos dos ocupantes das mesas; caso quisessem teriam histórias para um livro, mas, definitivamente os problemas alheios não fazem parte do metiê.
Elas, não são outras, senão as Marias e as Joanas que se multiplicam pelo país afora e são responsáveis pelo sustento de mais de um terço das famílias brasileiras. A exemplo de milhares, residem na periferia e engrossam as estatísticas do que lutam para ter um canto pra chamar de seu. Se no dizer de Rita Lee, dondoca é uma espécie em extinção, as Marias e as Joanas de Parauapebas vão a luta e não têm medo da cara feira do trabalho.
Misturadas às milhares que são comerciárias, bancárias, garis, médicas, enfermeiras, condutoras de caminhão fora de estrada de Carajás, elas lutam para deixar de ser apenas uma carteira de identidade, um número na estatística. São casadas? chefes de família? Têm vida social? Onde moram? Na verdade, pouco se sabe delas. O que está escancarado é aquela coisa de pegar no breu, de fazer a hora. Silenciosamente, sem emitir uma única palavra, essas mulheres maravilhosas oferecem gratuitamente uma lição de nobreza a quem interessar possa. A partir dessas duas, chorar sobre um prato de filé passa a ser uma coisa de extremo mau gosto. Enquanto uns com tanto são amargos como jiló, elas carregam o peso da labuta sobre os ombros, sem reclamar.
Discretamente, quase sem se fazerem notar na noite agitada da cidade, elas exibem a fidalguia que advém do trabalho.
Uma bonitinha, outra nem tanto, mas, o que importa? Todos nós já fomos bem mais do que somos hoje. A pergunta é a seguinte: será que chegaremos ao entardecer da vida com a pegada delas?
(Artigo publicado no jornal HOJE - Coluna do Marcel_
domingo, 30 de outubro de 2011
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