Chico da Pureza
Quem via de longe aquele
mulato de quase um metro e noventa de altura, dentes grandes, brancos e traços
quase rudes, se não fossem o sorriso franco e a aptidão para uma boa conversa, poderia
supor que se tratava de um caboclo de maus bofes, grosso feito papel de enrolar
prego. Absolutamente não era, aliás, no dizer da “cabocada”, era um camarada da
melhor qualidade.
Para ele, conversar era a
grande terapia da alma e não dispensava um dedo de prosa por nada nesse mundo,
diante de uma boa garrafa de café, acompanhada de uma terrina de beiju de
tapioca, então, era covardia. Nas noitadas daquela comunidade nas cercanias de
Brejo Grande, Chico da Pureza era conhecido como um contador de “causos”, nem
sempre verdadeiros, mas que faziam a diversão dos caboclos.
Duas coisas ele não
apreciava. Que não dissessem que ele era um “canoa”, governado pela mulher, D.
Pureza, uma brancona, bem mais velha do que ele e com quase uma centena de
quilos. Ainda que carregasse o apelido de Chico da Pureza, era tudo intriga de
gente que não tinha o que fazer. No seu barraco era ele quem dava as cartas.
Quem privava da sua convivência, entretanto, jurava que Pureza não dava moleza
ao maridão e com ela o buraco era mais embaixo; ou ele andava na linha ou a
porrada era serventia da casa. Dizem que a segunda coisa que fazia Chico da
Pureza torcer o nariz e adoecer na mesma hora era a promessa de uma invernada
de juquira. Roçar pasto, capinar mato eram atividades que ele fugia que nem o
coisa ruim foge da imagem da cruz.
O episódio que ficou
marcado foi a inauguração do campo de futebol da fazenda Santa Maria. O
fazendeiro, seu Marcolino ao ver o negão de quase dois metros à sua frente se
animou e o escalou de beque, mas, não foi fácil convencer Chico a tirar a
botina cara de vaca para calçar chuteiras bico de agulha, que era o que se
tinha de melhor na época. Pra resumir, como eram ordens do patrão, Chico
adentrou ao campo de terra batida como o mais novo craque da região.
No decorrer da partida,
porém, percebeu-se logo que ele não levava o menor jeito pra coisa. Depois de
furadas e caneladas que deixaram a torcida e o dono do time de cabelo em pé, o
time adversário abriu o placar. Para espanto geral, Chico assistiu placidamente
o atacante adversário invadir a área, escolher o canto e fazer o gol.
No intervalo, seu
Marcolino fulo de raiva inqueriu Chico Pureza o porquê de tanta preguiça. “Olha
seu Marcolino, correr atrás de bola eu não corro não, eu não corro nem atrás de
mulher, que dirá de bola, agora, se ela passar perto de mim eu dou-lhe uma
bicuda que ele vai parar lá do outro lado do brejo”.
Para absoluta inaptidão ao
esporte bretão, Chico foi sacado na mesma hora. Ele era irrecuperável, era
melhor o mandar descansar o juízo na cozinha e jogar conversa fora.
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