"De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha
de ser honesto".

(Rui Barbosa)


domingo, 10 de fevereiro de 2013

COLUNA DO MARCEL



Chico da Pureza

Quem via de longe aquele mulato de quase um metro e noventa de altura, dentes grandes, brancos e traços quase rudes, se não fossem o sorriso franco e a aptidão para uma boa conversa, poderia supor que se tratava de um caboclo de maus bofes, grosso feito papel de enrolar prego. Absolutamente não era, aliás, no dizer da “cabocada”, era um camarada da melhor qualidade.

Para ele, conversar era a grande terapia da alma e não dispensava um dedo de prosa por nada nesse mundo, diante de uma boa garrafa de café, acompanhada de uma terrina de beiju de tapioca, então, era covardia. Nas noitadas daquela comunidade nas cercanias de Brejo Grande, Chico da Pureza era conhecido como um contador de “causos”, nem sempre verdadeiros, mas que faziam a diversão dos caboclos.

Duas coisas ele não apreciava. Que não dissessem que ele era um “canoa”, governado pela mulher, D. Pureza, uma brancona, bem mais velha do que ele e com quase uma centena de quilos. Ainda que carregasse o apelido de Chico da Pureza, era tudo intriga de gente que não tinha o que fazer. No seu barraco era ele quem dava as cartas. Quem privava da sua convivência, entretanto, jurava que Pureza não dava moleza ao maridão e com ela o buraco era mais embaixo; ou ele andava na linha ou a porrada era serventia da casa. Dizem que a segunda coisa que fazia Chico da Pureza torcer o nariz e adoecer na mesma hora era a promessa de uma invernada de juquira. Roçar pasto, capinar mato eram atividades que ele fugia que nem o coisa ruim foge da imagem da cruz.
O episódio que ficou marcado foi a inauguração do campo de futebol da fazenda Santa Maria. O fazendeiro, seu Marcolino ao ver o negão de quase dois metros à sua frente se animou e o escalou de beque, mas, não foi fácil convencer Chico a tirar a botina cara de vaca para calçar chuteiras bico de agulha, que era o que se tinha de melhor na época. Pra resumir, como eram ordens do patrão, Chico adentrou ao campo de terra batida como o mais novo craque da região.

No decorrer da partida, porém, percebeu-se logo que ele não levava o menor jeito pra coisa. Depois de furadas e caneladas que deixaram a torcida e o dono do time de cabelo em pé, o time adversário abriu o placar. Para espanto geral, Chico assistiu placidamente o atacante adversário invadir a área, escolher o canto e fazer o gol.

No intervalo, seu Marcolino fulo de raiva inqueriu Chico Pureza o porquê de tanta preguiça. “Olha seu Marcolino, correr atrás de bola eu não corro não, eu não corro nem atrás de mulher, que dirá de bola, agora, se ela passar perto de mim eu dou-lhe uma bicuda que ele vai parar lá do outro lado do brejo”.
Para absoluta inaptidão ao esporte bretão, Chico foi sacado na mesma hora. Ele era irrecuperável, era melhor o mandar descansar o juízo na cozinha e jogar conversa fora. 

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