"De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha
de ser honesto".

(Rui Barbosa)


sábado, 18 de setembro de 2010

A árvore magrela

Há poucos anos boa parte dos arredores da cidade ainda era inexplorada. As montanhas e as muitas áreas de charco funcionavam como um enorme empecilho ao crescimento da cidade. Só depois, no início da década os grandes projetos imobiliários passaram a explorar o filão, a cidade avançou, rumo à parte alta.

Já naquela época, até por dever de ofício, costumava fazer fotos dessas localidades ainda incipientes. A árvore já estava lá, bem em cima de uma elevação. Era a coisa mais visível daquela pequena estrada esburacada, que mais tarde se transformaria em rua do bairro Beira Rio.

A árvore, que não tinha a frondosidade de uma mangueira, muito menos produzia frutos como um cajueiro, ou uma jaqueira, mais parecia uma faveira, um piquizeiro do cerrado, um tanto atarracada e sem beleza que justificasse uma foto. A bem da verdade, a única razão pela qual ela se fazia notar era a protuberância do terreno, na qual ela crescera e se formara. No meio de uma capão de vegetação rasteira, poderia se dizer que ela era a princesinha do pedaço; uma princesinha ao avesso, mas era.

Na semana passada, depois de quase dois anos dei uma passada por lá e não é que a magrela continua lá? Por pirraça, ou até para tentar reviver alguma coisa que desaparecera na poeira do tempo, subi a pequena elevação e me sentei à sombra rala da magrela por uns bons trinta minutos.

Mesmo que a sua sombra deixasse a desejar; mesmo que não tivesse frutos a dar, a faveira, ou piquizeiro atarracado ou qualquer coisa que o valha ainda está lá e isso fazia toda diferença.

É lógico que ela não faz parte da história, como os ipês de tons lilás e amarelo do canteiro central, não é famosa como a imburana de Carajás, mas para mim, ela vale tanto ou mais, afinal, na sua pouca sombra me refestelei algumas vezes e cheguei a falar coisas que hoje parecem bobagens. Certo que eram palavras soltas, mas naqueles dias tudo era permitido, até mesmo sonhar acordado à sombra de uma árvore magrela.

Ainda que não fosse o ipê do canteiro central, ou a imburana de Carajás (de saudosa memória, é claro), mas de certa maneira era a minha árvore, assim como o rio que banhava a aldeia de Fernando Pessoa era maior do que o Tejo.

(Artigo publicado no jornal HOJE 429 - Coluna do Marcel)

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