"De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha
de ser honesto".

(Rui Barbosa)


segunda-feira, 16 de abril de 2012

COLUNA DO MARCEL


A maravilhosa urbanidade das ruas E e F

Marcel Nogueira
Na semana passada, bem no início do mês, as cercanias das casas bancárias de Parauapebas mais pareciam um pandemônio. O corre-corre desenfreado de transeuntes serelepes, o esforço das lojas em alavancar as vendas, as filas de funcionários públicos e privados para receber o salário emprestavam ao local um ar de “samba do crioulo doido”.

Não era para menos. A panela de pressão das ruas E e F e a sua urbanidade visceral, que os xenófobos criadores de caso torcem os narizes elitizados, como a expressão do mau gosto e da invasão maranhenses no santo solo parauapebense mostrou a conhecida faceta de uma locomotiva desgovernada, que impulsiona a cidade para o futuro, ainda que traga a reboque as mazelas e a crueldade natural de uma cidade que cresce sem pedir licença e deixa pelo caminho um rastro de boas oportunidades e histórias de vidas içadas aos píncaros da glória, num abrir e fechar de olhos ou mergulhos de Martin Pescador de quem perdeu o bonde da história.

O universo das multifacetárias ruas E e F de hoje é inversamente proporcional ao arremedo dos anos 80. Não havia o Armazém Paraíba e no lugar da Leolar um barracão de madeira, onde funcionava um restaurante bem popular, substituído um pouco depois por um armazém de secos e molhados caindo pela tabelas. Eram tempos bucólicos e de muita tranquilidade, quebrada apenas quando uma ventania varria os logradouros e levantava poeira que embotava até o branco dos olhos. Como não havia o bosque do canteiro central, cultivado apenas na primeira administração de Faisal Salmen e muito menos asfalto, o vento violento costumava arrastar a poeira fina de verão em direção as casas de madeira e por vezes, só pra arreliar, levantava as saias godês das mocinhas desavisadas que saracoteavam lépidas e fagueiras, a caminho da escola.

Bêbados retardatários, depois de uma farra federal na rua do Meio, serpenteavam em caracol, na vã procura do último ônibus para Carajás e tudo corria ainda lentamente, bem deferente do que se viria depois de pouquíssimos anos.

Hoje são outros quinhentos. Ainda há bêbados, mas, eles costumam frequentar outro pedaço, mas especificamente o do “pé inchado”; o vento vadio, que deixava as estudantes coradas de vergonha estão ficando cada vez mais enclausurados nos prédios altos em construção. Os ambulantes, que no local se revelam pródigos, naquela de um “olho no padre, outro na missa” se desdobram em busca do freguês arredio, ao mesmo tempo em que fogem do “rapa”; pedintes, ciganos e entregadores de panfletos de empresas emergentes se misturam a profissionais liberais e autônomos que correm para o trabalho. Flanelinhas, picolezeiros, adolescentes desocupados e malandros em busca de otários compõem o cenário de uma Gomorra desvairada.

Como termômetro da terra de águas rasas, a riqueza e o miserê, a opulência e a indigência convivem quase que harmoniosamente num mesmo espaço.

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