"De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha
de ser honesto".

(Rui Barbosa)


sábado, 13 de fevereiro de 2010

É de manhã

A claridade do dia, que substitui com folga a luminosidade das lâmpadas de mercúrio na PA-275 abençoa as centenas de trabalhadores que caminham apressados em direção a portaria da Vale.

Sob as alvíssaras da neblina, que torna a visibilidade um produto de luxo, um séquito de adeptos da caminhada dá o tom na passarela do canteiro central. O jovem sarado, a moça bonita em trajes justos e multicoloridos, o homem de meia idade que busca desesperadamente a boa forma perdida na década passada e os que são empurrados para a pista por expressas recomendações médicas dividem o espaço democraticamente.

A noite vai embora oficialmente quando os ônibus lotados de trabalhadores ganham a serra e as buzinas nervosas dos automóveis denunciam que a panela de pressão vai começar a ferver. Num espaço de uma hora a serenidade da noite é substituída pela ebulição característica da cidade. As filas quilométricas em voltas dos bancos são evidências de que o dia será de cão.

Nas calçadas vendedores de DVDs piratas anunciam seus produtos impunemente, sem ter medo do “rapa”para uma leva de consumidores dispostos a pagar menos (ainda que no final da noite as imagens dos tais DVDS sejam apenas uma vaga lembrança); vendedores de produtos baratos da 25 de março se misturam a trombadinhas e malandros especialistas no “conto do paco”, que perscrutam o terreno em busca de um incauto, capaz de lhe dar com as próprias mãos a grana do almoço .

Nas lojas as promoções habituais de início de ano tentam seduzir o cliente, cada vez mais ressabiado com a propaganda enganosa. O melhor sorriso do vendedor talvez não seja suficiente para convencê-lo, contudo, a experiência tem mostrado que os olhos são a chave para aflorar os desejos escondidos. Desde que o mundo é mundo, vendedor vende e comprador compra, mesmo que tenha que ser “convencido”, sabe-se lá por qual argumento.

A correria pela subsistência da manhã em nada lembra o bocejar pacato da madrugada, afinal fora os peões que saem do turno, só resta o boêmio que vaga de uma canto pra outro. Feito vampiro, ele teme pela chegada dos primeiros raios de sol.

(artigo publicado no joranal HOJE edição 401 - Coluna do Marcel)

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