"De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha
de ser honesto".

(Rui Barbosa)


sexta-feira, 17 de junho de 2011

O tempo nosso de cada dia

O corre-corre do dia-a-dia nos tira prazeres e pequenas alegrias. Particularmente tenho reparado que coisas que me eram caras jazem esquecidas e empoeiradas dentro de uma gaveta qualquer da escrivaninha e da vida.

Aquela coisa de compor, de rabiscar versos e fazer rimas quase não tenho praticado. Musicar alguma coisinha no violão tem ficado para terceiro ou quarto plano. Nas últimas semanas recebi duas encomendas de músicas para o próximo festival, mas não me animei muito. Tenho sido um compositor, digamos, pouco confiável, digo não no sentido mais pejorativo da palavra, mas a dona inspiração tem passado ao largo, dai a minha falta de pontualidade.

Escrever então, tenho feito apenas por dever de ofício. É aquela história, colocar um jornal semanal na rua, alimentar um blog não é fácil, mas não me queixo, afinal de contas, tantos gostariam de fazer isso e não fazem por falta de condições, de instrumentos. De uns tempos para cá, o jornal tem sido quase que uma agenda pessoal, uma espécie de um blog impresso. Isso cria uma zona de conforto, na qual não se dá satisfações a quase ninguém (salvo ao leitor), mas, por outro lado, um tempo precioso tem sido jogado fora, muito trabalho, alguma satisfação, mas o tempo, como diria Cazuza, não pára.

Até o bate-papo no boteco do Baixinho, que durante muito tempo foi uma espécie de carregador de bateria tem sido negligenciado. Muitas matérias e notas do blog tinham saído de sugestões inteligentes do local. É certo que o boteco, que já foi chamado de “senadinho”, de um local democrático já não é mais o mesmo, mas é aquela velha máxima de quem sabe faz a hora. Está decidido: vou arrumar um jeito de me fazer mais presente.

Na verdade preciso arrumar um jeito de desenferrujar um monte de projetos, como, por exemplo, o livro de crônicas que já deveria ter saído do forno há um tempão e nunca deu o ar da graça, ou o livro de passagens autorais das Vilas do N-1, N5, Cidade Nova e Rio Verde incipientes, que está perdido num arquivo de computador, sem a menor previsão de finalização.

O tempo é opressor e ao mesmo tempo voraz. Amarra-nos numa camisa de força, impele-nos a relativizar certas coisas que são importantes e depois se apresenta como carrasco dos sonhos que foram deixados no esquecimento.

Quando não há mais o que se produzir, percebemos que aquilo que sempre tivemos por despojo, ou seja, o próprio tempo, não temos mais. Muito tarde verificamos que nunca fizemos o nosso tempo, ao contrário, fomos escravos dele e agora concluimos que não o temos mais. Nem para esticar a vida um pouco mais.


(artigo publicado no jornal HOJE, edição 462 - Coluna do Marcel)

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