"De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha
de ser honesto".

(Rui Barbosa)


sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O PMDB quer a sua parte


Um “ajuntamento de assaltantes”, como queria Ciro Gomes, ou uma espécie de poder moderador que está aí para não deixar os radicais do PT tirarem a democracia dos trilhos?

Um “consórcio de máfias políticas regionais”, como quer o geógrafo Demétrio Magnoli,ou um partido de centro que se propõe a funcionar como uma espécie de fiador da democracia, atuando como algodão entre cristais contra extremismos?

Não demorou muito para que o PMDB , montado no alto da carta de crédito que a aliança vitoriosa com o PT lhe concedeu, colocasse as mangas de fora e as cartas na mesa, cobrando a parte que lhe cabe nesse latifúndio político que comandará os destinos do País nos próximos 4 anos.

Agindo com a soberba de partido hegemônico da aliança, o PT fez as primeiras reuniões da chamada “equipe de transiçao” sem se preocupar com a delicadeza de reservar um lugar na mesa ao seu aliado preferencial. Michel Temer, o vice eleito, protestou em nome de seu partido, e usou o seu estilo aveludado para avisar que o PMDB estava aí e queria a cadeira que lhe cabia no consórcio.

Sentaram Temer à mesa, deram-lhe as honras de ocupar a cabeceira, intitularam-no protocolarmente de “coordenador” , e deixaram-no aparecer nas fotos na posição de comandante da tropa de transição. Mas o PMDB é um partido pragmático demais para deixar-se levar apenas pelas poses e aparências.

O PMDB quer poder, e para o PMDB cargos são o poder.

O segundo lance do jogo de xadrez, foi o anúncio da formação do “blocão”, um ajuntamento formado pelos 202 deputados que compõem as bancadas do PMDB, PTB, PSC,PR e PP.Um astucioso jogo de cena que o PMDB montou para mostrar ao PT que ele não pode querer jogar sozinho o jogo do poder.

Claro que não era um lance pra valer.Era apenas um aviso aos aliados cabeça-de-chave: olha, nós estamos aqui. Não se esqueçam de nós.O presidente em fim de mandato mobilizou os seus operadores para desmanchar o “blocão” e o vice eleito correu para colocar os seus panos quentes.A operação foi suspensa,mas o efeito demonstração ficou guardado na gaveta, para ser usado, se necessário, em outras emergências.

Isso significa que os acordos não explicitados mas subentendidos continuarão a ser cumpridos. O PT , que tem o maior número de deputados, comandará a Câmara, o PMDB , que tem o maior número de senadores, comandará o Senado (provavelmente restaurando a satrapia do eterno José Sarney) e as arestas que aparecerem na negociação de cargos irão sendo aparadas à medida que forem aparecendo.

Não esperem desse embate grandes discussões sobre o futuro ou sobre as necessidades urgentes do Pais, nem sobre princípios, ou modelos, ou sistemas, ou programas de governo. Nada disso está em discussão. Quando o PMDB tenta se colocar como fiel da balança em qualquer entrevero político, o que está em jogo é apenas a sua sede por cargos.A democracia,para o partido , é apenas uma ferramenta para facilitar o exercício de sua verdadeira natureza e de sua mais autêntica vocação : o fisiologismo.


Sandro Vaia é jornalista. Foi repórter, redator e editor do Jornal da Tarde, diretor de Redação da revista Afinal, diretor de Informação da Agência Estado e diretor de Redação de “O Estado de S.Paulo”.

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