"De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha
de ser honesto".

(Rui Barbosa)


quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Vadinho

Final de ano muita gente ameaça deixa de beber, de entornar o barril, mas depois de alguns dias, é comum verificar que o cidadão continua inchando o pé. É o caso de Vadinho, gente boa, passado da medida, mas que tinha esse problema.
Vadinho era assim e apesar das promessas de final de ano e de suas intermináveis crises de remorso, depois da cura do porre, cada vez mais ele se afogava na cachaça e se tornava uma pessoa um tanto inconveniente por causa das pixotadas etílicas. Não tinha jeito, mal o cara melava o beiço e as presepadas estavam a caminho. Por sorte não era homem violento, de modo que nunca se meteu em confusões mais sérias; suas tiradas alcóolicas era quase sempre fruto de sua irresponsabilidade e por que não dizer, de sua mania de avacalhar com tudo.
Na sua rua ninguém o levava muito a sério e só acontecia algum entrevero quando ele chegava de madrugada bicudo e cismava de colocar as caixas de som na rua para ouvir um brega rasgado, ou um forró pé de serra. Nessas horas, era necessário a intervenção da mulher, uma santa criatura que com toda paciência do mundo convencia o bebum a tomar um banho frio, seguido de uma xícara de café preto e forte e cama.
Acordava no outro dia às 2 horas da tarde e ficava amofinado pelos cantos. Ciente de que aprontara alguma (ainda que não se lembrasse absolutamente de nada) ele ouvia religiosamente os costumeiros sermões de Selminha, que ameaçava ir embora, largá-lo pra sempre. O resto do dia ele ficava mocozado em casa, sem ânimo até pra ir no boteco da esquina. Na penumbra da noite, ele sentava no chão, á beira da cama e pedia perdão à mulher pelos vexames que constantemente ele patrocinava e porque jogava fora os presentes e as seguidas oportunidades que a vida lhe dera, dentre as quais a mulher maravilhosa que era Selma. Eram lágrimas sentidas e sinceras de alguém que se arrependia, mas que não tinha forças para se manter longe da garrafa. Selminha não dizia nada, mas sabia que mais dia, menos dias, Vadinho voltaria a beber.
A passagem mais marcante aconteceu há uns 10 anos atrás, num churrasco promovido por um empresário, chegado à cidade recentemente. O churrasco, regado a muita cerveja prosseguia animadamente e lá para o meio-dia, deram pela falta do Vadinho, que sumira misteriosamente. Para final de conversa, Vadinho foi encontrado meia hora depois. O sujeito estava deitado dentro de uma caixa d'água de 1000 litros, de uso doméstico, só com o nariz de fora, se refrescando do calor infernal que f azia naqueles dias de julho.
Nem é preciso dizer que o dono da casa quis a morte, queria descer o braço no Vadinho, os amigos ficaram horrorizados e o levaram embora, completamente embriagado. Já Selminha, não sabia onde enfiar a cara.
Depois disso, Vadinho entrou em crise existencial, se afastou dos amigos, tentou o suicídio e acabou na igreja para tentar se purificar. Parou de beber por uns tempos, mas dizem que vez por outra ele perde a linha e bebe o dia inteiro. Só a santa da Selminha consegue aturar Vadinho.
(artigo publicado no jornal HOJE - edição 441 - Coluna do Marcel)

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