"De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha
de ser honesto".

(Rui Barbosa)


terça-feira, 20 de dezembro de 2011

O sobrevivente de Carajás

Na semana passada encontrei quase que por acaso Jorginho Magalhães, Ainda que o tempo tivesse lhe dado uma boa machucada e colorido à cabeleira de branco, o camarada continua o mesmo: sorriso franco, um tanto discreto e uma simplicidade admirável.

Jorginho é um sobrevivente de Carajás. O conheci em 1982 e de lá pra cá já se vão quase 30 anos. Naqueles tempos iniciais, Parauapebas não passava de um amontoado de casebres à beira da Pa-275, uma espécie de entreposto da Transbrasiliana. Apesar da vida bucólica no sopé da serra, em Carajás já havia atividades culturais. Ficaram famosos os festivais de música, assim como algumas encenações de peças teatrais no Cine Carajás.

Jorginho entra aí. Nos primeiros ensaios dos candidatos com a banda, Jorginho chega como quem não quer nada. O violão que ele trazia orgulhosamente na capa era quase do seu tamanho. Naquele ambiente de bastidores de festival, de ensaios e conversas por detrás do palco, o baixinho vai se enturmando, mas só é reparado mesmo quando emite os primeiros acordes.

Depois de passar sua canção, nós, que respirávamos música já sabia que ali estava um forte candidato a levar o festival.

Na primeira eliminatória, a música do Jorginho “Acorda” ficou entre as classificadas, assim como uma canção de minha autoria e um samba-canção de Sidney, um músico de Brasília, que trabalhava em Carajás. Depois vieram “Feijão na Lenha”, de Carlinhos, uma música de Nazaré Feio, e uma música Trash, que de bom só tinha a proposta de falar do potencial de Carajás.

Na finalíssima o camarada berrava no palco: “Carajáaaas, é uma mina de ferro, Carajáaaas, vai melhorar o Brasil. No anúncio do resultado, o cinema veio a abaixo com a vitória de Carajás. Era um misto de vaias e aplausos. Os que gostavam da boa música torciam o nariz e se perguntavam como uma ‘‘trepeça’’ daquelas ganhara. Já os amigos e peões que se identificavam com o autor de Carajás tinham a alma lavada e enxaguada. Era verdade: a Música Carajás levara o festival, a despeito do Jorginho, do Sidney, do Carlinhos e até da minha canção, que também estava cotada.

Na gravação do bolachão, um disco de vinil com as melhores músicas do festival de 82, fomos todos para Belém (inclusive o autor da já famosa Carajás). No hotel, por falta do que fazer, promovíamos happy hour de fim de tarde. Era uma farra federal, repertórios eram mostrados sem constrangimento. Jorginho se despia da timidez e cantava composições de sua autoria.

Hoje o cidadão é evangélico, mora na Palmares, mas continua sendo um músico de mão cheia. Toca teclados, violão, baixo e canta maravilhosamente bem. Comportado, não participa mais da vida boemia, mas a nossa amizade dá saudade no verão.

A sua música agreste, tipicamente nordestina, sem, no entanto, cair na tentação dos ritmos marcados pela sanfona e zabumba faz falta, mas, devo frisar que até pouco tempo não tinha a menor ideia das suas andanças. Hoje constato que ele está mais perto que eu supunha, ainda que mais longe do que eu gostaria.


(artigo publicado no jornal HOJE - Coluna do Marcel)

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