"De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha
de ser honesto".

(Rui Barbosa)


domingo, 11 de setembro de 2011

11 de setembro

Virgínia Botelho, jornalista, vive em Nova York há 14 anos

Talvez tenhamos sido das últimas pessoas a saber do ataque terrorista no 11 de setembro. No entanto, meus colegas e eu estávamos num escritório no 15º andar num edifício na rua 36, em mid-town Manhattan, a apenas duas quadras do Empire State Building.

Não tínhamos TV e nem rádio, e só quando alguém ligou de fora ficamos sabendo que as torres tinham sido atingidas e já estavam em chamas.

Corremos todos para a sala da diretora e o fim do mundo ja tinha sido decretado. Eramos uma equipe de 35 pessoas e tentávamos nos comunicar com nossas famílias, maridos e filhos. Mas os telefones e celulares não funcionavam mais e a Internet falhou logo depois.

Dali em diante, por uma ou duas horas, contamos com um aparelho de rádio. Era difícil entender o que estava ocorrendo: dois aviões tinham derrubado as Torres Gêmeas, outro avião tinha atingido o Pentágono, e ainda haveria um quarto ou mesmo um quinto avião (era incerto) controlados por terroristas.

Onde iriam parar estes últimos? Olhávamos para o Empire State de nossas janelas e o gigante de então 72 anos parecia inabalável.

As ruas de Manhattan ficaram desertas em questão de horas. O serviço de metrô havia parado logo depois dos ataques e eram os ônibus que, gratuitos, transportavam as pessoas para longe do ‘ground zero’.

Junto com mais duas colegas de trabalho, também vizinhas em meu bairro, pegamos um desses transportes e pudemos então ouvir as estórias que as pessoas contavam em voz alta sobre o que tinham vivido poucas horas antes em ‘downtown’.

Tudo parecia muito surrealista e era difícil entender a proporção da tragédia naqueles primeiros momentos. Não sabíamos ainda quantos eram os mortos, desconhecíamos quais as implicações dessa ocorrência para a História. Nos primeiros 30 dias tratamos de sobreviver da melhor maneira. Mas, não foi nada fácil.

Além das quase 3 mil vidas perdidas, nos meses que seguiram o 11 de setembro o impacto do ataque foi sentido em incontáveis dimensões da condição humana.

Crianças pequenas que foram salvas de uma creche que funcionava no andar térreo nas Torres desenvolveram síndromes nervosas; idosos morreram de inanição porque os programas que distribuem refeições não conseguiram chegar a seus apartamentos.

Havia uma insuportável poluição no ar, misturada com cheiro de pneu queimando, que durou uns dois meses inteiros. Ficamos mais alérgicos e uma parte significativa da população ainda é tratada hoje, 10 anos depois, de doenças pulmonares graves e distúrbios nervosos por programas especificamente criados pela prefeitura.

Os bairros em torno da ponta da ilha foram os que mais sofreram. Em Lower East Side e Chinatown, onde imigrantes recentemente chegados se estabelecem para buscar ocupação no setor de serviços, os empregos simplesmente desapareceram junto com as Torres e os 5 outros edifícios que caíram juntos no Word Trade Center.

No dia seguinte do 11 de setembro não fomos ao trabalho. Não havia transporte de nenhum tipo e estávamos muito cansados e deprimidos. Mas uma amiga havia me convidado para ir a um espetáculo de balé flamenco e decidimos que nos faria bem sair e pôr para fora toda a emoção que essa dança provoca.

Engolimos toda a poluição e chegamos no teatro em mid-town. A companhia espanhola estava devolvendo o dinheiro para a audição. Dançariam, mas não cobrariam nada. O espetáculo era um presente para a cidade.

No teatro repleto se ouvia pessoas chorando baixinho. O lamento que o flamenco carrega conseguiu baixar todas as nossas guardas e parecia nos ajudar a enfrentar coletivamente nossa inocência perdida.

Naquela noite, esse foi o único espetáculo apresentado na cidade, onde todos os dias mais de duzentos eventos ocorrem. Depois, a cidade silenciou por mais de um mês, perdendo uma significativa parte de sua receita.

As infelizes guerras vieram e as ineficazes políticas antiterrorismo ainda não nos garantem proteção. Ontem, a Secretária de Estado, Hillary Clinton, declarou que as ameaças de um possível ataque terrorista a Nova Iorque, para hoje, ou para os próximos dias, devem ser levadas a sério.

Também ontem fomos a uma galeria de arte em Chelsea ver a abertura da exposição do excelente trabalho de colagem de Vik Muniz. A festa saía pelas calçadas, a noite estava repleta de artistas plásticos brasileiros e nova-iorquinos que queriam ver seu ídolo pessoalmente.

Vik é muito simpático. Sou muito arredia na presença de celebridades mas arrisquei um aperto de mão. Ele, sorrindo, paciente com todos, confirmou que seu pai é cearense. Dá para ver na fibra de Vik que ele também tem na alma essa inspiração forte, sertaneja.

Quando saímos dali, procuramos um restaurante por Chelsea mesmo. Estavam repletos, afinal era sexta à noite, é verão ainda e a lua está quase cheia. A ameaça de novos desastres paira sempre mas a vida não para. Isto vale para todo ser humano, onde quer que estejamos.


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