Virgínia Botelho, jornalista, vive em Nova York há 14 anos
Talvez tenhamos sido das últimas pessoas a saber do ataque terrorista no 11 de setembro. No entanto, meus colegas e eu estávamos num escritório no 15º andar num edifício na rua 36, em mid-town Manhattan, a apenas duas quadras do Empire State Building.
Não tínhamos TV e nem rádio, e só quando alguém ligou de fora ficamos sabendo que as torres tinham sido atingidas e já estavam em chamas.
Corremos todos para a sala da diretora e o fim do mundo ja tinha sido decretado. Eramos uma equipe de 35 pessoas e tentávamos nos comunicar com nossas famílias, maridos e filhos. Mas os telefones e celulares não funcionavam mais e a Internet falhou logo depois.
Dali em diante, por uma ou duas horas, contamos com um aparelho de rádio. Era difícil entender o que estava ocorrendo: dois aviões tinham derrubado as Torres Gêmeas, outro avião tinha atingido o Pentágono, e ainda haveria um quarto ou mesmo um quinto avião (era incerto) controlados por terroristas.
Onde iriam parar estes últimos? Olhávamos para o Empire State de nossas janelas e o gigante de então 72 anos parecia inabalável.
As ruas de Manhattan ficaram desertas em questão de horas. O serviço de metrô havia parado logo depois dos ataques e eram os ônibus que, gratuitos, transportavam as pessoas para longe do ‘ground zero’.
Junto com mais duas colegas de trabalho, também vizinhas em meu bairro, pegamos um desses transportes e pudemos então ouvir as estórias que as pessoas contavam em voz alta sobre o que tinham vivido poucas horas antes em ‘downtown’.
Tudo parecia muito surrealista e era difícil entender a proporção da tragédia naqueles primeiros momentos. Não sabíamos ainda quantos eram os mortos, desconhecíamos quais as implicações dessa ocorrência para a História. Nos primeiros 30 dias tratamos de sobreviver da melhor maneira. Mas, não foi nada fácil.
Além das quase 3 mil vidas perdidas, nos meses que seguiram o 11 de setembro o impacto do ataque foi sentido em incontáveis dimensões da condição humana.
Crianças pequenas que foram salvas de uma creche que funcionava no andar térreo nas Torres desenvolveram síndromes nervosas; idosos morreram de inanição porque os programas que distribuem refeições não conseguiram chegar a seus apartamentos.
Havia uma insuportável poluição no ar, misturada com cheiro de pneu queimando, que durou uns dois meses inteiros. Ficamos mais alérgicos e uma parte significativa da população ainda é tratada hoje, 10 anos depois, de doenças pulmonares graves e distúrbios nervosos por programas especificamente criados pela prefeitura.
Os bairros em torno da ponta da ilha foram os que mais sofreram. Em Lower East Side e Chinatown, onde imigrantes recentemente chegados se estabelecem para buscar ocupação no setor de serviços, os empregos simplesmente desapareceram junto com as Torres e os 5 outros edifícios que caíram juntos no Word Trade Center.
No dia seguinte do 11 de setembro não fomos ao trabalho. Não havia transporte de nenhum tipo e estávamos muito cansados e deprimidos. Mas uma amiga havia me convidado para ir a um espetáculo de balé flamenco e decidimos que nos faria bem sair e pôr para fora toda a emoção que essa dança provoca.
Engolimos toda a poluição e chegamos no teatro em mid-town. A companhia espanhola estava devolvendo o dinheiro para a audição. Dançariam, mas não cobrariam nada. O espetáculo era um presente para a cidade.
No teatro repleto se ouvia pessoas chorando baixinho. O lamento que o flamenco carrega conseguiu baixar todas as nossas guardas e parecia nos ajudar a enfrentar coletivamente nossa inocência perdida.
Naquela noite, esse foi o único espetáculo apresentado na cidade, onde todos os dias mais de duzentos eventos ocorrem. Depois, a cidade silenciou por mais de um mês, perdendo uma significativa parte de sua receita.
As infelizes guerras vieram e as ineficazes políticas antiterrorismo ainda não nos garantem proteção. Ontem, a Secretária de Estado, Hillary Clinton, declarou que as ameaças de um possível ataque terrorista a Nova Iorque, para hoje, ou para os próximos dias, devem ser levadas a sério.
Também ontem fomos a uma galeria de arte em Chelsea ver a abertura da exposição do excelente trabalho de colagem de Vik Muniz. A festa saía pelas calçadas, a noite estava repleta de artistas plásticos brasileiros e nova-iorquinos que queriam ver seu ídolo pessoalmente.
Vik é muito simpático. Sou muito arredia na presença de celebridades mas arrisquei um aperto de mão. Ele, sorrindo, paciente com todos, confirmou que seu pai é cearense. Dá para ver na fibra de Vik que ele também tem na alma essa inspiração forte, sertaneja.
Quando saímos dali, procuramos um restaurante por Chelsea mesmo. Estavam repletos, afinal era sexta à noite, é verão ainda e a lua está quase cheia. A ameaça de novos desastres paira sempre mas a vida não para. Isto vale para todo ser humano, onde quer que estejamos.
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